segunda-feira, 20 de agosto de 2007

6º Encontro Nacional de Arte Sacra (2ª parte)

Segunda parte da carta de Dom Joviano de Lima Júnior,SSS aos participantes do 6º Encontro Nacional de Arte Sacra que se realizou de 25 a 28 de julho em Vitória - ES.
A capacidade simbólica do espaço litúrgico

... tenha-se presente que a finalidade da arquitetura sacra é oferecer à Igreja que celebra os mistérios da fé, especialmente a Eucaristia, o espaço mais idôneo para uma condigna realização da sua ação litúrgica; de fato, a natureza do templo cristão define-se precisamente pela ação litúrgica, a qual implica a reunião dos fiéis (ecclesia), que são as pedras vivas do templo (cf. 1Pd 2,5).
O mesmo princípio vale para toda a arte sacra em geral, especialmente para a pintura e a escultura, devendo a iconografia religiosa ser orientada para a mistagogia sacramental. Um conhecimento profundo das formas que a arte sacra conseguiu produzir, ao longo dos séculos, pode ser de grande ajuda para quem tenha a responsabilidade de chamar arquitetos e artistas para comissionar-lhes obras de arte destinadas à ação litúrgica...”

“Enfim, é necessário que, em tudo quanto tenha a ver com a Eucaristia, haja gosto pela beleza; dever-se-á ter respeito e cuidado,também, pelos paramentos, alfaias, os vasos sagrados, para que interligados de forma orgânica e ordenada, alimentem o enlevo pelo mistério de Deus, manifestem a unidade da fé e reforcem a devoção”[1]

A sacramentalidade da ação litúrgica torna-se mais evidente quando o belo se expressa com toda a sua força. Tomemos como exemplo a visibilidade da fonte batismal.

O batistério, lugar expressivo da unidade de toda a Igreja, deve ter a sua visibilidade garantida no espaço litúrgico. A partir da Conferência de Aparecida, se fala muito em Iniciação Cristã, da qual o Batismo é o primeiro sacramento. Como sabemos o elemento mais ligado ao Batismo é a água. Mas, no rito há também a unção com o óleo dos catecúmenos e com o óleo do Crisma. De um lado, temos na visibilidade do batistério um apelo constante à conversão – ao discipulado e, de outro, o envio missionário. O cristão é chamado a fermentar a sociedade. Daí a tensão em direção ao sacramento da maturidade cristã que é a Crisma. Todo o processo de Iniciação Cristã tem o seu ponto alto na Eucaristia – a mesa do Senhor. No momento em que se coloca em questão a reforma litúrgica do Vaticano II, é preciso ressaltar o altar como símbolo de Cristo, ao redor de quem toda a assembléia celebrante se reúne. Um forte motivo para se garantir a visibilidade do altar.

É preciso haver uma harmonia entre batistério – Fonte Batismal e a Mesa eucarística, sem nos esquecermos da Mesa da Palavra. Aquilo que Romano Gardini fala da obra de arte, vale sobretudo para o espaço litúrgico: “Uma autêntica obra de arte não é, como toda presença percebida imediatamente, um mero fragmento do que se exibe, mas uma totalidade.”[2] Acrescenta que “a unidade do objeto que se capta e da pessoa que o capta tem um poder evocador. Em torno dela se faz presente a totalidade da existência: a totalidade das coisas, a natureza e a totalidade da vida humana, a história, ambas coisas vivas numa só.”[3] É nesta totalidade que o belo se manifesta e o espaço litúrgico se revela como um lugar de relações. O espaço litúrgico não se destina somente à oração pessoal, mas, sobretudo, para uma ação comunitária. Ele precisa ser um enunciado da liturgia que ali é celebrada. Sem querer ensinar arquitetura ao arquiteto, é preciso levar em conta que o espaço litúrgico deve ser sempre pensado como um lugar ocupado por pessoas. Não simplesmente um espaço admirado pela sua harmonia e beleza. Diante de tudo isso, surge uma pergunta: Qual a melhor solução para uma maior visibilidade da fonte batismal? E, para que ao olhar o ambão quem entra no espaço litúrgico possa dizer: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”?

Uma vez garantida a beleza e a visibilidade dos elementos que compõem o espaço litúrgico, caberá à liturgia celebrada, enquanto itinerário de fé e vida, levar as pessoas a passarem do olhar de admiração da beleza da arquitetura à contemplação da beleza do mistério. De certa maneira, o processo de iniciação nunca termina, pois a mistagogia faz com que as pessoas experimentem o que celebram. Ainda uma observação de J. M Canals: “O ser humano expressa a beleza de duas formas: a primeira, quando se inspira na natureza, em algo que está fora de si, e se esforça por reproduzir formas, cores e sons; a outra, quando ele entra dentro de si mesmo, e de seu espírito criador faz brotar a forma que plasma no exterior em obras e atitudes pessoais e transforma a matéria dando-lhe forma, cor e ritmo.”[4]

A Igreja é a casa do povo

O templo, onde a comunidade se reúne para expressar o seu amor a Deus, é a casa do povo. Com suas portas sempre abertas, a domus ecclesiae a todos acolhe. A sua presença na cidade já é um sinal de fraternidade e solidariedade.

Toda a comunidade deve ser envolvida na obra de arte, sobretudo quando se tratar da construção de uma igreja, verdadeiramente a Casa da Igreja, lugar e escola de comunhão dos pobres[5].


Dom Joviano de Lima Júnior, SSS

sábado, 11 de agosto de 2007

6º Encontro Nacional de Arte Sacra


Abaixo a carta de Dom Joviano de Lima Júnior,SSS aos participantes do 6º Encontro Nacional de Arte Sacra que se realizou de 25 a 28 de julho em Vitória - ES.
--------------------------------

O Esplendor e a Beleza na Ação Litúrgica

Com estas palavras do Papa Bento XVI gostaria de abrir este encontro:

“A relação entre mistério acreditado e mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no valor teológico e litúrgico da beleza. De fato, a liturgia, como aliás a revelação cristã, tem uma ligação intrínseca com a beleza: é esplendor da verdade (veritatis splendor). Na liturgia brilha o mistério pascal, pelo qual o próprio Cristo nos atrai a si e chama à comunhão.” (Sacram. Caritatis,35).

“A profunda ligação entre a beleza e a liturgia deve levar-nos a considerar atentamente todas as expressões artísticas colocadas a serviço da celebração. Um componente importante da arte sacra é, sem dúvida, a arquitetura das igrejas, nas quais há de sobressair a coerência entre os elementos próprios do presbitério: altar, crucifixo, sacrário, ambão, cadeira.” (Sacr. Caritatis41)

“A verdadeira beleza é o amor de Deus que nos foi definitivamente revelado no mistério pascal. A beleza da liturgia pertence a esse mistério: é expressão excelsa da glória de Deus e, de certa forma, constitui o céu que desce à terra.”[1]


O valor teológico e litúrgico da beleza

A espiritualidade foi o foco do último encontro, na cidade d Rio de Janeiro. A espiritualidade, como a obra de arte é uma experiência a ser transmitida. Todo artista transmite o que ele toca com as mãos, o que se encontra no u coração. Há,na 1 Jo 1,1-3, um texto iluminador:

O que desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e o que as nossas mãos apalparam da Palavra da Vida – da vida que se manifestou, que nos vimos e testemunhamos, vida eterna que a vós anunciamos, que estava junto do Pai e que se tornou visível para nós - ,isso que vimos e ouvimos nós vos anunciamos, para que tenhais comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com o Filho Jesus Cristo.

Hoje, afirma-se que o lugar autêntico da teologia não é a sala de aula mas a festa. A justificativa está na história da composição e no uso dos livros da Sagrada Escritura que não foram redigidos como um texto qualquer. Mas foram redigidos para darem sentido à existência de um povo. Ser a sua memória. E projetar o seu futuro.

A originalidade da Sagrada Escritura reside no fato de ter sido escrita para ser proclamada, narrada e cantada. A Palavra de Deus, em Israel, faz parte da constituição do povo e do culto da nação, juntamente com a promessa da terra. Ela está voltada para o louvor da presença amorosa de Deus e ao reconhecimento da sua ação benéfica no meio do povo. O povo é de Deus e Deus é o Deus do seu povo!

O Novo Testamento valoriza a festa, enquanto ela é decorrência de um encontro, de uma experiência com o Ressuscitado. Isso se torna mais evidente na liturgia celebrada[2]. E dando por adquirido que a melhor linguagem para falarmos de Deus seja a beleza, a liturgia só poderá cumprir sua função se for bela. Parafraseando, K. Rahner[3], eu diria que a liturgia é bela ou não é liturgia autentica! A comunicação – a linguagem da liturgia – torna-se inteligível ao mundo de hoje se estiver impregnada de beleza.

A beleza na liturgia faz com que a presença de Deus seja transparente aos nossos contemporâneos. Segundo J. Canals[4] “a beleza é uma dimensão interior que se abre à exterior e se encarna em formas diversas. Na cultura atual, dominada pela técnica e pelo utilitarismo, urge resgatar a beleza e a gratuidade. A beleza, para um cristão, é uma exigência interna da fé que o leva à Beleza do Deus que é Verdade e Amor. Quanto à Liturgia, não deve ser condenada à banalidade, mas é necessário fazer com que ela frutifique em beleza e em santidade.” No número 35 da S. Caritatis, Bento XVI ; “A relação entre mistério acreditado e mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no valor teológico e litúrgico da beleza.” O grande ícone desta beleza, que está ligada à Trindade, será sempre a Páscoa de Cristo.

A beleza, além de abrir-nos um horizonte sem fronteiras, é uma via privilegiada para a compreensão do ato de fé. “Concluindo, a beleza não é um fator decorativo da ação litúrgica, mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e da sua revelação. Tudo isso nos há de tornar conscientes da atenção que se deve prestar à ação litúrgica para que brilhe segundo a sua própria natureza.”[5]

----------------------------------Continua

autor: Dom Joviano de Lima Júnior,SSS

domingo, 5 de agosto de 2007

A Espiritualidade das Catacumbas


(3ª parte)

Espiritualidade social

A espiritualidade das catacumbas é também "social": o cristão habituado a dizer na oração não mais "Meu Pai", mas "Pai nosso", sabe que na família de Deus não se vive de modo isolado, mas socialmente: "Sendo muitos, somos um só corpo em Cristo" (Rm 12,5). As catacumbas dão-nos a imagem desse corpo místico no qual os cristãos ordinariamente convivem em hierarquia de funções e em unidade de espírito. Aqui os Pontífices Mártires repousam em meio à humilde multidão do seu rebanho.

Da parte frontal de um sarcófago, um jovenzinho eleva as mãos em atitude de orante bem-aventurado na visão de Deus: aos seus lados, parece que Pedro e Paulo, os fundadores da Igreja de Roma, o introduzem na pátria beata.

Em Domitila, na pintura de um arcossólio, Veneranda chega com roupas de viagem, peregrina que concluiu o seu exílio, às portas da pátria: a santa do lugar, Petronília, com aspecto suave, a acolhe e faz entrar.Há um intercâmbio de orações entre as diversas partes da Igreja! Centenas de peregrinos recomendam-se a Pedro e Paulo sepultados na Memória da Via Appia Antiga (Catacumbas de São Sebastião), gravando breves mensagens na argamassa da tríclia (ambiente para banquetes funerários, a céu aberto): "Paulo e Pedro, orai por Vítor - Pedro e Paulo, tende Sozomeno no pensamento".
No ingresso do mausoléu dos Papas em São Calisto, a parede está constelada de orações: "S. Sisto, tem Aurélio Repentino no pensamento", "Espíritos Santos... que Verecundo bem navegue com os seus". Às vezes não há uma oração explícita: basta, para implorar, uma qualificação acrescentada ao nome: "Felicião, sacerdote, pecador".Contam-se aos milhares as inscrições com orações dos vivos pelos defuntos ou com solicitações aos mortos para que rezem pelos que estão vivos. Na sociabilidade do Corpo Místico, cada indivíduo está ligado à Igreja inteira.

Espiritualidade Escatológica

O cristão tende aos "éscata", isto é, às realidades definitivas da vida eterna: "Não temos aqui em baixo morada permanente, mas estamos em busca da morada futura" (Hb 13,14). "A nossa pátria é nos céus" (Fl 3,20). Basta um breve giro por uma catacumba para ver essa verdade brilhar da mais viva luz. E chegamos à escada que desce à Cripta dos Papas (foto acima). Na parede esquerda uma lápide fala-nos de Agripina, "cuius dies inluxit": o dia da morte foi o dia do seu ingresso na luz, na esperada bem-aventurança. Pouco abaixo uma inscrição grega de Adas, que "ecoimète", "adormeceu", como a menina de Cafarnaúm, que - como diz o Evangelho - "não está morta, mas dorme" (Mc 3,59), e espera a chamada d'Aquele que é a ressurreição e a vida.Numa capela, Jonas, que escapara das garras do monstro representante da morte, repousa placidamente à sombra de um caramanchão. Mais além, o Bom Pastor aperta com ternura o cordeiro nos ombros: a morte não é mais terrificante para o cristão, que é levado por Jesus a verdes pastagens.
Da parede de um cubículo cinco cristãos elevam os braços em ato de adoração; ao redor deles um belíssimo jardim florido: é o paradisus, o jardim celeste. De uma lápide, entre as mais antigas, uma cruz-âncora anuncia-nos que chegou ao porto do paraíso uma cristã que tem um luminoso nome de estrela: "Hèsperos".Estes cemitérios são, também, cheios de paz. A resposta está na fé dos antigos cristãos, que freqüentemente fala no silêncio das catacumbas: "Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo?" (Lc 24,5). "Eu sou a ressurreição e a vida" (Jo 11,25). "Não tenhas medo, somente fé" (Mc 5,36).
-------------------------------------Continua...