quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sentido Teológico-litúrgico do Altar Cristão


CRISTO É O ALTAR VERDADEIRO

Sabemos que os primeiros escritores cristãos, chamados Padres da Igreja, depois de terem lido, ouvido e meditado profundamente a Palavra de Deus, não tiveram nenhuma dúvida em afirmar que Cristo é a vítima, o sacerdote, o altar de seu sacrifício. Aliás, já a própria Palavra de Deus nos apresenta Cristo como o Cordeiro imolado (Ap 5,6), o Sacerdote supremo, o Altar vivo do Templo celeste (cf. Hb 4,14; 13,10). Portanto, Cristo, Cabeça e Mestre de todos nós, é o verdadeiro altar.

EM CRISTO SOMOS TAMBÉM ALTAR

Isto significa que, sendo Cristo a Cabeça do seu Corpo, que é a Igreja, logicamente seus membros e discípulos, os cristãos e as cristãs, podem ser considerados também, em Cristo, como outros tantos altares. Altares espirituais, nos quais se oferece a Deus o sacrifício de uma vida santa. Quer dizer: sobre o altar de nós mesmos, “sacrificamos” a nossa vida em favor dos nossos irmãos e irmãs, sobretudo os mais pobres. Como fez Jesus! Os próprios antigos Padres da Igreja sugerem toda essa compreensão de altar.

Santo Inácio de Antioquia († 117), ao ser levado a Roma para ser martirizado, fez o seguinte pedido: “Não me dêem nada mais do que ser imolado a Deus, enquanto o altar ainda estiver preparado”. São Policarpo († 156), ao exortar as viúvas a levarem uma vida santa, diz que elas “são altar de Deus”. E vejam o que escreve o papa São Gregório Magno (590-604): “Que é o altar de Deus? Não é o espírito dos que vivem no bem?...

É muito certo, pois, que se chame de altar o coração (dos justos)”. Ou também, usando outra imagem, a partir do escritor cristão Orígenes († 254), a Igreja hoje afirma: “Os fiéis que, entregues à oração, oferecem preces a Deus e imolam vítimas de súplicas, são pedras vivas com que o Senhor Jesus constrói o altar da Igreja” (cf. Ritual da dedicação de altar, n.º 2).

O ALTAR, MESA DO SACRIFÍCIO E DO BANQUETE PASCAL

Porque Cristo é o altar verdadeiro e, em Cristo, também nós somos altar, é natural que a mesa sobre a qual oferecemos a Deus o sacrifício de Cristo (e, em Cristo, o nosso sacrifício), e em torno da qual participamos do banquete pascal que nos é dado pelo Senhor, venha a ser chamada também de altar.

Neste sentido, a Igreja hoje nos ensina:

“Cristo Senhor, pelo memorial do sacrifício que, na ara (altar) da cruz, iria oferecer ao Pai, instituindo-o sob a figura de banquete sacrificial, santificou a mesa, em torno da qual os fiéis se reuniriam, a fim de celebrar a sua Páscoa.

Por conseguinte, o altar é a mesa do sacrifício e do banquete; nela o sacerdote, tornando presente o Cristo Senhor, realiza aquilo mesmo que o Senhor fez e entregou aos discípulos para que o fizessem em sua memória; o apóstolo claramente o indica ao dizer:

O pão que partimos, não é a comunhão com o corpo de Cristo? Já que há um só pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão’” (Cor 10,16-17) (cf. Ritual da dedicação de altar, n.º 3).

SINAL DE CRISTO

Em todo lugar, atendendo às circunstâncias, os cristãos e cristãs podem celebrar o memorial do Cristo e sentar-se à mesa do Senhor. Mas é bom que haja um altar estável para a celebração da Ceia do Senhor. Harmoniza-se com o mistério eucarístico, motivo pelo qual se trata de um costume que vem da mais remota antiguidade cristã. No atual Ritual da dedicação de altar está escrito que, por sua natureza, o altar cristão “é a mesa própria para o sacrifício e o banquete pascal: mesa própria, onde o sacrifício da cruz se perpetua pelos séculos, até que Cristo venha; mesa onde os filhos da Igreja se congregam para dar graças a Deus e receber o Corpo e o Sangue de Cristo”.

E continua, citando a Instrução Geral sobre o Missal Romano:

“Portanto, em todas as igrejas o altar é ‘o centro da ação de graças que se realiza pela Eucaristia’, para o qual, de algum modo, convergem todos os outros ritos da Igreja”.

E diz mais: “Por realçar que no altar se celebra o memorial do Senhor e se dá aos fiéis seu Corpo e Sangue, os escritores eclesiásticos foram levados a vê-lo como sinal do próprio Cristo – e daí tornar-se comum a afirmação: ‘O altar é Cristo’” (ibid., n.º 4).

HONRA DOS MÁRTIRES

O altar é a mesa do Senhor. Esta é a sua maior dignidade. Na antiguidade era costume dos cristãos erigir o altar sobre os restos mortais dos Mártires. E tinham consciência de que não são os corpos dos Mártires que honram o altar, mas o altar é que torna nobre o sepulcro dos Mártires. Por isso, para honrar seus corpos e dos outros Santos, e também para significar que o sacrifício da Cabeça se perpetua no sacrifício dos membros, hoje se recomenda erigir os altares sobre os sepulcros destes ou encerrar suas relíquias sob os mesmos.

Deste modo, como escreve Santo Ambrósio de Milão († 397), “entrem as vítimas vitoriosas no lugar em que Cristo é a Vítima. Mas, sobre o altar, aquele que morreu por todos; e, sob ele, os resgatados pela paixão de Cristo”.

Faz lembrar a visão do evangelista João, exilado na ilha de Patmos, registrada no livro do Apocalipse:

“Vi debaixo do altar, com vida, os que tinham sido degolados por causa da palavra de Deus e do testemunho que guardavam” (Ap 6,9).

E o atual Ritual da dedicação de altar explicita: “Na verdade, todos os Santos podem, com justiça, ser chamados testemunhas de Cristo. Contudo, o testemunho dado pelo sangue possui força espiritual, que somente as relíquias dos Mártires, colocadas sob o altar, expressam de modo total e íntegro” (ibid., n.º 5).

O CUIDADO DO ALTAR, UM DESAFIO...

O altar cristão é importante “memória” do verdadeiro altar, que é Cristo. Nele, todo cristão e cristã são também altares espirituais. Ele é, ao mesmo tempo, a mesa do sacrifício e do banquete pascal, sinal de Cristo e honra dos Mártires.

Então, resta-nos um desafio: como tratá-lo e como cuidar dele, de maneira que ele possa evocar, de verdade, o mistério de Cristo e da Igreja? O que fazer com o altar, de tal maneira que sua presença no espaço litúrgico realmente nos fale deste mistério? Numa próxima ocasião buscaremos responder a esta pergunta.

por José Ariovaldo da Silva, ofm
Publicado no site Mundo e Missão