domingo, 1 de julho de 2007

A Influência da Liturgia na Arquitetura Cristã










A Casa de São Pedro
exemplo de DOMUS ECCLESIAE




(1ª Parte)

1. O Cristianismo nascente encontrou-se com dois sistemas religiosos: o judaísmo e o paganismo.

1.1 Do paganismo separou-o tudo: desde a divergência fundamental no conceito de Deus e a conseqüente doutrina com seu culto, até o conceito de vida e moral. Se, séculos mais tarde, chegou a utilizar-se de templos pagãos, transformando-os em igrejas cristãs, ocupou apenas as paredes ou outros elementos materiais, e nada de seu conteúdo litúrgico. Festas cristãs que parecem ter alguma relação com anteriores pagãs - como a do Nascimento de Cristo e a festa do Sol - não são continuações destas, mas substituições, para fazê-las cair no esquecimento.

1.2 Bem diferente é sua posição frente ao judaísmo. Aceitou, em principio, a idéia sobre Deus e a doutrina bíblica do Antigo Testamento, participando durante algum tempo das práticas do culto, tanto no templo em Jerusalém como nas sinagogas nos outros lugares.
A grande divergência seria desde o inicio a aceitação ou não de Jesus Cristo como o Messias prometido e, em seguida, a propagação de sua doutrina, o Novo Testamento, como norma religiosa plenamente autorizada pelo caráter divino de Jesus, filho de Deus. Com isso é suavizado o conceito de Deus-Pai, toma posição central a doutrina trinitária, começa a prática dos sacramentos instituídos por Cristo e inicia-se um culto novo sobre bases completamente novas, desenvolvendo-se pouco a pouco sua estrutura e fixação.

1.3 Dissemos que os cristãos continuavam, durante algum tempo, a participar do culto judaico. Mas também é verdade que cedo surgiram diferenças, como na decisão de afastar-se da lei cerimonial, principalmente na exigência da circuncisão.
Quanto ao culto, não nos esqueçamos de que o próprio Cristo predisse a era nova de um culto diferente e universal, no diálogo com a Samaritana (Jo 4, 21), "chegará a hora em que não adorareis o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém".
O Antigo Testamento só admitia um único lugar no mundo para o culto pleno no "Templo", com sacrifícios, altar e aparato concomitante. Fora de Jerusalém só havia - e há até hoje para os judeus - "sinagogas": lugares de reuniões, destinadas a leituras, ensinamento, orações e cantos, sem sacrifícios propriamente ditos. O culto sacrifical praticado na Samaria era - e é - contestado como irregular.
lntervem então Cristo e declara: não haverá disputa entre Jerusalém e Samaria, porque a culto será prestado legitimamente em toda parte.
A ordem final na instituição da Eucaristia é: "fazei isto em memória de mim" (Lc22,19) - sem limites, sem restrições: onde cristãos se reúnem para a fração do pão, a comunhão, a oração litúrgica, realiza-se um culto pleno. É de extrema importância para a arquitetura sacra esta posição básica, fundamental.
Mesmo depois de separar-se definitivamente do Judaísmo, o Cristianismo nascente, sem status jurídico, não reconhecido e até hostilizado, periodicamente perseguido, não pensou, e não podia pensar, em erigir templos.
Reuniram-se os cristãos entre si para cumprir o preceito de Cristo, dado na "última Ceia", ou com não-cristãos, interessados na nova religião e candidatos a abraçá-la. Reuniram-se primeiro em casas particulares.

2.1 Escreve S. Paulo em Rom16,5: "Saudai a Prisca e Aquila... saudai também a comunidade que se congrega em casa deles".
Ou ainda em 1 Cor16,19: "As igrejas da Ásia vos saúdam. Saúdam-vos afetuosamente no Senhor Àquila e Prisca, juntamente com a comunidade que se reúne em sua casa".

2.2 A "casa" do mundo romano da antigüidade podia ser a "insula" (ilha): uma casa de cômodos, habitação coletiva, como pode ser vista nas escavações de Óstia. Num apartamento desta "insula", pertencente a um cristão, fazia-se a reunião, o culto.

2.3 As classes de padrão de vida mais elevado viviam na cidade em "domus" (casa) ou no campo em "villa" (casa de campo). É pequena a diferença arquitetônica da casa propriamente dita entre estes dois tipos.
A disposição da Casa Romana explica duas facetas da liturgia católica renovada no Concilio Vaticano II: a diferenciação entre "liturgia da palavra" e "liturgia sacrifical" e a posição do celebrante "face ao povo" ("versus populum"). Três peças da casa foram usadas nas reuniões: o "Tablinium", o "Peristilo" e o "Triclinium". O "Tablinio" era uma espécie de santuário familiar, doméstico, onde eram cultuadas antes as divindades protetoras do lar. Afastados os ídolos pagãos com as novas idéias religiosas, ficou, contudo, o respeito pelo ambiente, e nele se colocava o celebrante, o sacerdote, o apóstolo de Cristo, dirigindo-se à assembléia, acomodada no agradável e espaçoso páteo interno, o "Peristilo", semelhante aos claustros de nossos conventos.

CASA ROMANA
1. Átrio
2. Tablínio
3. Peristilo
4. Triclínio





Pregação, ensinamento, oração e canto inicial, enfim, a primeira parte da Missa católica se realizava aqui. Depois dirigiam-se todos à sala de jantar, ao refeitório da casa, o "Triclinium", para o "culto sacrifical", repetição (inicialmente bem simples) da "última Ceia. Nas escavações de Pompéia ou de Óstia, perto de Nápoles e de Roma, podem ser vistas casas romanas. deste tipo.
Alguns cristãos como S. Clemente doaram suas casas à Comunidade cristã ficando ela para uso exclusivamente litúrgico, religioso.

2.4 Quanto às Catacumbas, é mister corrigir um acento romântico, devido ao romance ou cinema: não foram construídas pelos cristãos para servir de refúgio, de esconderijo. Já existiam como um tipo de cemitério, no mundo pagão. Os cristãos se reuniram nelas, porque durante muito tempo foram respeitadas como locais inatingíveis à ação policial.
Contudo, contribuiu muito para a evolução litúrgica e artística a freqüência às catacumbas: do compreensível destaque que se deu ás sepulturas dos "mártires" (testemunhas) da fé, surgiram costumes e leis a respeito do altar e da veneração dos Santos em geral. Inscrições, pinturas, símbolos e outras decorações são preciosas testemunhas da identidade entre a fé de nossos dias e daqueles tempos, entre a fé que nós professamos e a daqueles que a beberam na fonte.
É sempre comovedora uma visita às catacumbas, principalmente de Roma (pois existem também em outras cidades, em outros países), com seus corredores, sepulturas, salas de reuniões, cátedras episcopais retalhadas do tufo, "memórias" dos mártires.



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Fonte: Separata de Liturgia e Vida – 1976
Por Mons. Guilherme Schubert
Presidente da Comissão Arquidiocesana de Arte Sacra do Rio de Janeiro

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