domingo, 29 de julho de 2007

A Espiritualidade das Catacumbas

(2ª parte)
Espiritualidade Sacramental

A espiritualidade das catacumbas é também sacramental. O mundo exterior da matéria entra, nos sacramentos cristãos, como sinal e como instrumento, realizando a redenção e a salvação do homem: Batismo e Eucaristia.Em nenhum outro cemitério encontram-se tantas representações sacramentais como as que encontramos nos Cubículos dos Sacramentos em São Calisto. Acenemos aos Sacramentos dos quais existe uma documentação maior.


BATISMO.


Não estamos ainda no tempo em que serão erigidos edifícios esplêndidos para honrar esse Sacramento (p. ex. o Batistério do Latrão). O Batismo ainda era conferido nas domus Ecclesiae, as casas de família, e não raramente em segredo. A grandeza do sacramento, porém, era conhecida. Paulo havia falado dele com termos grandiosos justamente na Carta aos Romanos (c. 6). Os cristãos sabiam que através do rito batismal, o homem morre e ressurge misticamente com Cristo, e é associado à vida divina pela eficácia desses atos redentores.Uma das mais antigas pinturas nos assim chamados Cubículos dos Sacramentos, em São Calisto (foto acima), mostra-nos o Batismo. Diante de um espelho d'água, senta-se um pescador que, com o seu anzol, tira um peixe para fora: agrada-nos ver nesse personagem um apóstolo, que obedece ao mandamento de Jesus: "Segui-me; eu vos farei pescadores de homens" (Mc 1,17).Muitos cristãos, "alcançados por Cristo" (Fl 3,12) após angustiantes experiências interiores, sentiam que o momento do Batismo marcara o início de uma vida nova. De aqui o nome que se lê numa lápide da tricora de São Calisto, nome que depois tornou-se tão comum na Cristandade: "Renatus": "Nasci de novo!".
EUCARISTIA.

E eis-nos diante da jóia destas Capelas: a trilogia eucarística.No afresco, os cristãos reunidos à mesa eucarística são sete, como os discípulos reunidos ao redor de Jesus ressuscitado às margens do lago; nos pratos diante deles está o peixe: Jesus Cristo Filho de Deus Salvador. Na cena à esquerda, o sacerdote estende as mãos sobre uma pequena mesa onde está o pão eucarístico: referência clara ao ato de consagração reservado aos ministros; do outro lado da mesa, um orante com os braços elevados recorda-nos que, para ir para o céu, é preciso nutrir-se daquele pão consagrado (a Eucaristia).O terceiro quadro, à direita, é claro a quem se lembra das palavras do hino de Santo Tomás: "In figuris praesignatur cum Isaac immolatur": "Na imolação de Isaac é prefigurado o sacrifício de Cristo".Não podemos deixar de lado uma representação, preciosa pela sua antigüidade e pelo seu grande valor pastoral. Na Cripta de Lucina, datada do séc. 2º, na parede diante da entrada, estão representados simetricamente dois peixes, diante dos quais estão colocados dois cestos cheios de pães (foto acima). Entrevêem-se nos cestos duas taças de vinho. O peixe é Cristo; pão e vinho são as espécies sob as quais Ele se faz presente na Eucaristia.Estamos nas fontes da cristandade. O cristão antigo, consciente de que "não existe sob o céu outro nome dado aos homens, no qual possam ser salvos, senão o de Cristo" (At 4,14), sabe que só pode ser associado a Cristo através dos Sacramentos instituídos por Ele com essa finalidade.


domingo, 22 de julho de 2007

A Espiritualidade das Catacumbas


(1ª Parte)
Parecia ao desconhecido cristão dos primeiros tempos, que peregrinava na vasta necrópole calistiana, ter entrado na mística Jerusalém, na cidade que se tornara púrpura pelo sangue dos mártires e refulgente da sua glória. Ao sair, ele gravou de forma elegante, numa parede, estas palavras que ainda hoje podem ser lidas: "JERUSALEM CIVITAS ET ORNAMENTUM MARTYRUM DEI...": "Jerusalém, cidade e ornamento dos mártires de Deus".O peregrino de hoje, igualmente, entrevê nas catacumbas com espírito comovido o segredo íntimo da espiritualidade daqueles pontífices mártires, daquelas virgens e daquela inumerável multidão de desconhecidos cristãos.As inscrições e pinturas, supérstites a tantas devastações e depredações, revelam esse segredo, ao menos em parte, e ainda repetem as palavras de um antigo epitáfio cristão: "Tàuta o bìos": "Esta é a nossa vida".
A espiritualidade das catacumbas é a mesma da Igreja primitiva em sua juventude de conquistas e de martírio. Nutrida pelo cerne das escrituras, simples e poderosa, ela é a irmã das mais antigas liturgias, e assim o visitante das catacumbas bebe nas fontes da espiritualidade cristã.São vários os aspectos dessa espiritualidade:

Espiritualidade cristocêntrica

Essa espiritualidade coloca Jesus Cristo como a figura dominante. Aquilo que o sagrado Coração de Jesus, quer dizer, o sinal da bondade de Cristo é para o católico de hoje, para o cristão antigo era o Bom Pastor. Entre as representações das catacumbas essa é a mais freqüente; está pintada nos tetos, entre ricas decorações floreais, gravada toscamente nas placas sepulcrais, modelada em relevo sobre os sarcófagos e, enfim, esculpida com grega elegância numa das mais antigas estátuas cristãs que se conheçam (séc. 4º, Museus Vaticanos).

O cordeiro que repousa sobre seus ombros, seguro com força pelas mãos do pastor é o cristão (ao lado foto da catacumba de São Calixto, sec. III, Roma). Tudo ao redor respira a atmosfera de confiança que fazia Paulo exclamar: "quem haverá de separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome?" (Rm 8,35). O Salvador é freqüentemente representado em ação no meio dos homens: nos baixos-relevos ou nas paredes vê-se Jesus que toca os olhos ao cego ou que faz Lázaro ressuscitar do túmulo, que multiplica os pães ou muda a água em vinho: é o Cristo que passa fazendo o bem.Vêm, depois, os símbolos. Talvez as representações mais significativas sejam aquelas em que Cristo aparece sob o véu de um símbolo. Antes de Constantino, quando a cruz era usada todos os dias como patíbulo de escravos e de estrangeiros, o cristão cobria piedosamente o seu aspecto repelente com alguns símbolos, como, por exemplo, a âncora e o peixe. Ao lado de Jesus, os cristãos das catacumbas gostaram de representar, com afeto filial, a sua Virgem Mãe. Já nos inícios do séc. 3º, nas Catacumbas de Priscila, a figura suave de Maria, que segura Jesus junto ao seio, enquanto o profeta Balaão indica a estrela que resplende acima de sua cabeça. E ainda a Virgem que mantém o Filho nos braços, enquanto os Magos aproximam-se para oferecer os seus presentes. A adoração dos Magos é repetida nas várias catacumbas em pinturas, esculturas e outros objetos preciosos (reliquiários, marfins, pingentes, anéis).

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domingo, 15 de julho de 2007

A Influência da Liturgia na Arquitetura Cristã

Ícone Divina Liturgia
(Final)

A mentalidade moderna é outra, é democrática e não aceita privilégio de çastas (pelo menos o afirma). Mas é preciso fazer-se uma correção histórica: se a Igreja de um lado destacou os governantes (prestando um tributo de respeito perfeitamente justificável, criando um clima de mútua colaboração até hoje desejável, desde que não haja bajulação ou concessões indevidas), de outro lado prestigiou com estas medidas um grupo da classe média, não-nobre, nas Irmandades e Corporações. E sabemos que com isso ganhou a burguesia (hoje um termo que indica "classe rica", mas naquela época uma classe, se bem que respeitável, contudo muito distanciada da classe verdadeiramente dominadora da nobreza) prestígio e auto-confiança.
Por outro lado havia assim chance para que uma pessoa de origem humilde subisse na sociedade. Até as pessoas de cor viram-se assim respeitadas pela Igreja - ato corajoso para as circunstâncias dessas épocas passadas. É por isso, além do sincero entusiasmo pela fé, misturando menos do que hoje cristianismo e fetichismo, que os pretos e mulatos capricharam tanto na construção de suas igrejas, na aquisição de suas imagens, de seus Santos, na organização de suas Irmandades com Juiz, Provedor, cargos de direção, vestes solenes, tochas, alfaias iguais às demais Irmandades, suas festas, suas procissões e demais solenidades. É um aspecto de alcance sociológico importantíssimo, e uma contribuição da Igreja para o entendimento entre as classes sociais, pois pouco a pouco passaram as pessoas de cor a serem aceitas também em Irmandades, antes reservadas somente aos brancos. Foi uma contribuição justa, corajosa e ao mesmo tempo prudente, conseguindo de modo pacífico, o que mais tarde seria pleiteado em lutas sangrentas no campo civil;

3.1.5 e, finalmente, á recitação do oficio: oração em comum feita por monges, cônegos e membros de outras comunidades. Requer, em geral um tipo especial de bancos e assentos, as "estalas", o "Côro".
O projetista, o arquiteto deve providenciar para que haja espaço suficiente para a realização desses atos; para que as cerimônias possam desenvolver-se sem embaraço por todos que nelas participam direta ou indiretamente (chegada, saída, movimento em redor do altar, da pia batismal), para que recebam o merecido destaque os locais ou peças litúrgicas (altar, ambão, batistério, presbitério, coral) e para que o ambiente todo tenha um caráter próprio, sacro, propicio à função religiosa, à meditação, o recolhimento.
Influirá muito em tudo isso a idéia religiosa específica, mesmo dentro do Cristianismo.

3.2.1 É muito diferente, se se realiza uma Missa ou outra forma de Ceia Sagrada, o que requer um altar; ou se há somente uma reunião com pregação, canto e oração, sem altar.

3.2.2 Exerce enorme influência sobre arquiteto e decorador a concepção católica da Eucaristia: presença continuada de Deus no pão consagrado, mesmo terminada a Missa. Com ela atravessa a história da Arte Sacra o sacrário: desde a "pomba Eucarística", suspensa do baldaquino do altar (ver no Museu de Salzburg e noutros), pelo "Sakramentshaeuschen" ("Casa do Sacramento"); um sacrário embutido na parede, ou colocado numa coluna isolada, uma stela; até a posição central no altar pré-conciliar, fazendo dele mais um trono do Santíssimo, grandioso, volumoso com seu retábulo, do que – o que é sua função própria - o local do sacrifício da missa; e até a posição atual da liturgia: altar como centro de atenção; sacrário separado dele, mas expressando dignamente a fé na presença eucarística.

3.2.3 Há muitas maneiras de demonstrar o respeito: levantar-se, inclinar-se, tirar o chapéu e outros procedimentos. Mas praticamente influem as tradições católicas e protestantes no desenho dos bancos de igreja: para católicos são para sentar e ajoelhar; para protestantes só para sentar. (Para judeus só para sentar, mas dispondo de uma espaçosa gaveta de guardar livros, chale e outros objetos). '

3.2.4 Não a doutrina, mas certas idéias mudaram entre os católicos a respeito da colocação da pia batismal. Em tempos passados, desde as mais remotas épocas, pensaram assim: as crianças, ou melhor, as pessoas, a serem batizadas, crianças ou adultos, são pagãos, e por isso não entram na igreja. Para entrar, são primeiro batizados. Por isso foi o batistério colocado ou fora da igreja (Latrão em Roma, por exemplo), fora do local do culto (casa de Dura-Europos, séc. lll), ou na igreja, mas logo à entrada.
Hoje há preocupação de fazer participar a assembléia dos fiéis em ato tão importante para a vida cristã; e, por isso, é colocada a pia batismal dentro da nave, na proximidade do altar, á vista de todos. A preocupação pastoral venceu o espírito de "volta ás fontes", geralmente seguido na reforma litúrgica do Concilio Vaticano II. Com isso aproximam-se a prática católica e protestante sobre o local da pia batismal.
Os batistas têm de cuidar ainda de outra forma deste assunto. Pois para eles é obrigatório o batismo por submersão (os católicos são livres para usar submersão, infusão ou aspersão). Isso requer uma piscina, com degraus para descer e subir é uma espécie de “dique seco" para o ministro que acompanha o batizando, descendo e subindo, sem se molhar.

3.2.5 Grande influência sobre arquitetura e decoração teve o culto dos Santos da Igreja católica e, parcialmente, da Igreja anglicana. Já falamos das "memórias" das Catacumbas, dos altares das Basílicas. Segue-se historicamente o desenvolvimento do retábulo com mais de uma imagem ou pintura, os altares laterais, até em capelas próprias, ás vezes uma série destas, em honra de outros Santos; fora da colocação de imagens e pinturas em outras partes nas paredes, na fachada, no adro.
Continua na Igreja católica o culto dos Santos. Nele o Concilio Vaticano II nada mudou. Mas sugere-se maior simplicidade, evitando um número excessivo de imagens, o que fica até anti-estético, coisa que o barroco colonial brasileiro com seu profundo senso de proporção soube evitar, apesar de toda a riqueza de expressão desenvolvida.
E, o que é mais importante: insiste-se na reforma atual que a disposição da cruz, do Cristo crucificado, de outras imagens de Cristo, de Nossa Senhora, dos outros Santos, exprimam visualmente o que sempre foi assunto de fé: Deus acima de tudo; Cristo antes de tudo.

4. Outro aspecto a ser considerado no exame do binômio: liturgia - arquitetura é o elemento humano, tanto do arquiteto criador, como do utilitário, do freqüentador da igreja.
Pois, se é verdade que o culto consiste numa homenagem prestada pelo homem, sozinho ou em grupo, a Deus - também é verdade que este homem que presta a homenagem, não é o mesmo de uma época para outra.

4.1 Deixando de lado outros sistemas religiosos, e ficando só no Cristianismo, vemos nos templos de diferentes épocas marcas diversas, deixadas por gerações diferentes.
Fonte: Separata de Liturgia e Vida – 1976
Por Mons. Guilherme Schubert
Presidente da Comissão Arquidiocesana de Arte Sacra do Rio de Janeiro

domingo, 8 de julho de 2007

A Influência da Liturgia na Arquitetura Cristã

(Foto da Basílica de Santa Sofia em Istambul, antiga Constantinopla)




2ª PARTE
2.5 Com a liberdade religiosa, proclamada em 313 pelo Edito de Milão do Imperador Constantino, e a proteção do mesmo, os cristãos se reuniram em locais públicos, crescendo também muito o número de adeptos.
Por isso ocuparam primeiro edifícios públicos já existentes, que se prestaram à realização do culto, principalmente as "Basílicas" que chegaram a dar o nome ao "estilo Basilical". "Basílica", do grego, significa: edifício real. Era o Tribunal de Justiça, local da jurisprudência. Amplas, dignas, influíram com sua disposição para a arquitetura sacra e orientaram a renovação litúrgica atual em vários pontos. Vejamos: no centro da "abside" a cadeira do PRETOR que julga os casos. Ao seu lado os juízes assistentes, pois ele raramente era jurista, mas político, administrador. Em frente dele um pequeno altar em forma dum bloco decorado, no qual se oferecia incenso a Minerva, deusa da justiça (como hoje temos o crucifixo nas salas do juri para lembrar aos juizes a responsabilidade diante de Deus, eterno Juiz). Dentro do recinto do público dois ambões, espécie de tribunas, ligeiramente elevadas, para que os oradores fossem vistos pelo público: um para os depoimentos das testemunhas, outro para a defesa dos advogados.

2.6 E a aplicação na Basílica cristã? E na liturgia renovada atual? No fundo da abside a cátedra do Bispo ou celebrante principal, o sacerdote "que preside". A seu lado os presbíteros assistentes, diáconos, auxiliares. No lugar do altar da Minerva, o altar cristão, em várias formas, às vezes bastante complicadas em seus desníveis como nas Basílicas Romanas (S. Clemente, S.Lourenço por exemplo). Próximos dele, os ambões para o evangelho, a epístola e outras leituras. Acrescentaram à Basílica um bloco a mais na entrada: um pequeno claustro, com o batistério (ou uma fonte) no centro, criando um ambiente de preparação.


BASÍLICA PAGÃ

1. Pretor
2. Juízes assistentes
3. Altar de Minerva
4. Ambões de testemunhas e advogados




BASÍLICA CRISTÃ

1. Bispo
2. Clero
3. Altar
4. Ambões do Ev. e da Epist.
5. Adro
6. Batistério ou fonte

Com esta Basílica cristã, portanto não mais um edifício público já existente, usado para o culto, mas um edifício erigido "ad hoc", completamos o esquema do lugar para oculto da era páleo-cristã:

1 - Última Ceia
2 - Reuniões em casas particulares: "insula" - "villa" - "domus"
3 - Catacumbas
4 - Basílica: edifício público já existente
5 - Basílica cristã: edifício erigido "ad hoc".

Autorizado a exercer publicamente os atos religiosos, o Cristianismo desenvolveu rapidamente sua liturgia para formas mais ricas, estabelecendo a autoridade eclesiástica normas exatas a serem observadas.
Os templos, especialmente erigidos, foram, e são até hoje, construídos para a realização:

3.1.1 do culto: a missa católica ou, conforme a denominação religiosa diferente, outra forma de "'ceia sagrada";
(Levamos neste estudo sempre em consideração também conceitos cristãos não-católicos, porque á matéria em si interessa a todos os cristãos, e tivemos a oportunidade de apresentá-la também numa conferência realizada no Colégio Bennett do Rio de Janeiro, de orientação Metodista)

3.1.2 da pregação: o ensinamento em forma especial, administrado pelo ministro;

3.1.3 de cerimônias marcantes da vida religiosa: batismo, crisma ou confirmação, casamento, funerais, outras comemorações;

3.1.4 participação da Religião na vida pública, ou manifestação pública da vida privada em datas cívicas, jubileus, comemorações de momentos importantes da vida coletiva.
Quem organiza uma cerimônia com presença de autoridades, terá a preocupação de garantir a todos um lugar, e um lugar apropriado à sua posição, não por bajulação, mas em sinal de respeito. Hoje faz-se isso apenas para o momento, pois o Concílio Vaticano II não quer que haja lugares fixos, reservados a alguma elite, dando a impressão de diferença de classes entre os visitantes da igreja.
É verdade que houve no passado camarotes (sic) exclusivos para os reis, lugares exclusivos para a nobreza, o patrono (nobre que mandou construir a igreja e cuidou de sua manutenção, seguindo-o seus descendentes), o juiz, o prefeito. Em S.Augustin, a igreja da Corte de Viena, existem até hoje tais camarotes, um para cada príncipe e princesa, dando a impressão de uma sala de espetáculos. Nas igrejas coloniais encontramos as grades que separavam na nave os recintos reservados às Irmandades (como na Europa as Corporações medievais, os Sindicatos da época) e as tribunas no andar superior, outra forma de camarotes destinados ás senhoras dos Irmãos.
--------------------------------------- Continua...
Fonte: Separata de Liturgia e Vida – 1976
Por Mons. Guilherme Schubert
Presidente da Comissão Arquidiocesana de Arte Sacra do Rio de Janeiro

domingo, 1 de julho de 2007

A Influência da Liturgia na Arquitetura Cristã










A Casa de São Pedro
exemplo de DOMUS ECCLESIAE




(1ª Parte)

1. O Cristianismo nascente encontrou-se com dois sistemas religiosos: o judaísmo e o paganismo.

1.1 Do paganismo separou-o tudo: desde a divergência fundamental no conceito de Deus e a conseqüente doutrina com seu culto, até o conceito de vida e moral. Se, séculos mais tarde, chegou a utilizar-se de templos pagãos, transformando-os em igrejas cristãs, ocupou apenas as paredes ou outros elementos materiais, e nada de seu conteúdo litúrgico. Festas cristãs que parecem ter alguma relação com anteriores pagãs - como a do Nascimento de Cristo e a festa do Sol - não são continuações destas, mas substituições, para fazê-las cair no esquecimento.

1.2 Bem diferente é sua posição frente ao judaísmo. Aceitou, em principio, a idéia sobre Deus e a doutrina bíblica do Antigo Testamento, participando durante algum tempo das práticas do culto, tanto no templo em Jerusalém como nas sinagogas nos outros lugares.
A grande divergência seria desde o inicio a aceitação ou não de Jesus Cristo como o Messias prometido e, em seguida, a propagação de sua doutrina, o Novo Testamento, como norma religiosa plenamente autorizada pelo caráter divino de Jesus, filho de Deus. Com isso é suavizado o conceito de Deus-Pai, toma posição central a doutrina trinitária, começa a prática dos sacramentos instituídos por Cristo e inicia-se um culto novo sobre bases completamente novas, desenvolvendo-se pouco a pouco sua estrutura e fixação.

1.3 Dissemos que os cristãos continuavam, durante algum tempo, a participar do culto judaico. Mas também é verdade que cedo surgiram diferenças, como na decisão de afastar-se da lei cerimonial, principalmente na exigência da circuncisão.
Quanto ao culto, não nos esqueçamos de que o próprio Cristo predisse a era nova de um culto diferente e universal, no diálogo com a Samaritana (Jo 4, 21), "chegará a hora em que não adorareis o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém".
O Antigo Testamento só admitia um único lugar no mundo para o culto pleno no "Templo", com sacrifícios, altar e aparato concomitante. Fora de Jerusalém só havia - e há até hoje para os judeus - "sinagogas": lugares de reuniões, destinadas a leituras, ensinamento, orações e cantos, sem sacrifícios propriamente ditos. O culto sacrifical praticado na Samaria era - e é - contestado como irregular.
lntervem então Cristo e declara: não haverá disputa entre Jerusalém e Samaria, porque a culto será prestado legitimamente em toda parte.
A ordem final na instituição da Eucaristia é: "fazei isto em memória de mim" (Lc22,19) - sem limites, sem restrições: onde cristãos se reúnem para a fração do pão, a comunhão, a oração litúrgica, realiza-se um culto pleno. É de extrema importância para a arquitetura sacra esta posição básica, fundamental.
Mesmo depois de separar-se definitivamente do Judaísmo, o Cristianismo nascente, sem status jurídico, não reconhecido e até hostilizado, periodicamente perseguido, não pensou, e não podia pensar, em erigir templos.
Reuniram-se os cristãos entre si para cumprir o preceito de Cristo, dado na "última Ceia", ou com não-cristãos, interessados na nova religião e candidatos a abraçá-la. Reuniram-se primeiro em casas particulares.

2.1 Escreve S. Paulo em Rom16,5: "Saudai a Prisca e Aquila... saudai também a comunidade que se congrega em casa deles".
Ou ainda em 1 Cor16,19: "As igrejas da Ásia vos saúdam. Saúdam-vos afetuosamente no Senhor Àquila e Prisca, juntamente com a comunidade que se reúne em sua casa".

2.2 A "casa" do mundo romano da antigüidade podia ser a "insula" (ilha): uma casa de cômodos, habitação coletiva, como pode ser vista nas escavações de Óstia. Num apartamento desta "insula", pertencente a um cristão, fazia-se a reunião, o culto.

2.3 As classes de padrão de vida mais elevado viviam na cidade em "domus" (casa) ou no campo em "villa" (casa de campo). É pequena a diferença arquitetônica da casa propriamente dita entre estes dois tipos.
A disposição da Casa Romana explica duas facetas da liturgia católica renovada no Concilio Vaticano II: a diferenciação entre "liturgia da palavra" e "liturgia sacrifical" e a posição do celebrante "face ao povo" ("versus populum"). Três peças da casa foram usadas nas reuniões: o "Tablinium", o "Peristilo" e o "Triclinium". O "Tablinio" era uma espécie de santuário familiar, doméstico, onde eram cultuadas antes as divindades protetoras do lar. Afastados os ídolos pagãos com as novas idéias religiosas, ficou, contudo, o respeito pelo ambiente, e nele se colocava o celebrante, o sacerdote, o apóstolo de Cristo, dirigindo-se à assembléia, acomodada no agradável e espaçoso páteo interno, o "Peristilo", semelhante aos claustros de nossos conventos.

CASA ROMANA
1. Átrio
2. Tablínio
3. Peristilo
4. Triclínio





Pregação, ensinamento, oração e canto inicial, enfim, a primeira parte da Missa católica se realizava aqui. Depois dirigiam-se todos à sala de jantar, ao refeitório da casa, o "Triclinium", para o "culto sacrifical", repetição (inicialmente bem simples) da "última Ceia. Nas escavações de Pompéia ou de Óstia, perto de Nápoles e de Roma, podem ser vistas casas romanas. deste tipo.
Alguns cristãos como S. Clemente doaram suas casas à Comunidade cristã ficando ela para uso exclusivamente litúrgico, religioso.

2.4 Quanto às Catacumbas, é mister corrigir um acento romântico, devido ao romance ou cinema: não foram construídas pelos cristãos para servir de refúgio, de esconderijo. Já existiam como um tipo de cemitério, no mundo pagão. Os cristãos se reuniram nelas, porque durante muito tempo foram respeitadas como locais inatingíveis à ação policial.
Contudo, contribuiu muito para a evolução litúrgica e artística a freqüência às catacumbas: do compreensível destaque que se deu ás sepulturas dos "mártires" (testemunhas) da fé, surgiram costumes e leis a respeito do altar e da veneração dos Santos em geral. Inscrições, pinturas, símbolos e outras decorações são preciosas testemunhas da identidade entre a fé de nossos dias e daqueles tempos, entre a fé que nós professamos e a daqueles que a beberam na fonte.
É sempre comovedora uma visita às catacumbas, principalmente de Roma (pois existem também em outras cidades, em outros países), com seus corredores, sepulturas, salas de reuniões, cátedras episcopais retalhadas do tufo, "memórias" dos mártires.



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Fonte: Separata de Liturgia e Vida – 1976
Por Mons. Guilherme Schubert
Presidente da Comissão Arquidiocesana de Arte Sacra do Rio de Janeiro