segunda-feira, 15 de outubro de 2007

A ARTE SACRA E A PARTICIPAÇÃO NO PERFEITO (cont...)


(2 parte)

A BUSCA DA POESIA DO ESSENCIAL
O funcionalismo exerce uma ação purificadora benéfica não na medida em que substitui a poesia pelo cálculo, a idéia pela mera utilidade, mas enquanto prescinde do acidental-superficial para entrar asceticamente na razão última de ser das coisas que o homem faz. Esta intuição das razões últimas é a força impulsora da mais profunda e perdurável poesia.


Não é nada ilógico que a clarificação da função litúrgica ocorra paralelamente ao movimento arquitetônico em direção a uma adesão maior ao fundamental, ao que, por ser expressivo, exerce uma função de epifania do mistério. Os elementos arquitetônicos convertem-se assim em gestos, com toda a capacidade que estes possuem para fazer alusão a campos muito amplos de sentido com esforço muito leve.


Por não perceber que a função possui uma vertente estética, devido a sua vizinhança com o profundo - fonte de expressividade e, portanto, de beleza - o funcionalismo foi banalmente entendido como reprodução servil de esquemas concebidos com um sentido praticista, na esperança ilusória de que a mera exclusão dos conteúdos objetivos - temas, argumentos, etc. - e o serviço a uma meta arbitrariamente imposta pelo arquiteto garantiram uma qualidade artística sobressalente.Hoje em dia se impõe novamente a necessidade de dotar a arquitetura de um certo lirismo. Mas o que se entende aqui por lírico? É algo epifenomênico, justaposto, violentamente acrescentado por vontade sentimental, fantástica ou burguesa? Ou é, antes, a vertente estética de um processo rigorosamente genético de formas reais, robustas, carregadas de um sentido poderoso no mundo das realidades que constituem o tecido da vida humana?É decisivo para o homem de hoje compreender que a poesia - fenômeno universal - brota em seu ser pela tendência básica a se mover em níveis de fundura. Não se chega aos planos em que germina a autêntica poesia através da abstração, do abandono das realidades consideradas acessórias, mas através de intuição, de penetração através do expressivo no âmbito do essencial que se expressa nele vitalmente. Esta atividade intuitiva põe em vibração e compromete o ser inteiro do homem.


d) Economia de meios expressivos


Costuma se sublinhar hoje em dia o valor estético da pobreza e, em geral, da economia de meios. Na minha opinião, nos dará muita luz em vários aspectos esclarecer as profundas razões da correlação existente entre o efeito estético e a escassez de meios expressivos empregados.De per si, a pobreza não tem um poder expressivo superior ao da riqueza. Quando um artista consegue um máximo de expressividade com um mínimo de recursos expressivos, manifesta uma grande potência de transfiguração do sensível, que é privilégio dos seres criadores. À medida que ganham em experiência, os espíritos verdadeiramente criadores adquirem um poder especial para saturar os meios sensíveis de poder expressivo. Os meios expressivos se reduzem assim a uma lâmina quase imperceptível, asceticamente voltada para o serviço da encarnação expressiva. Para conseguir esta transfiguração dos materiais sensíveis se requer uma poderosa intuição que entre em contato muito direto com as realidades profundas que se auto-expressam em tais materiais. Pensemos nas últimas composições de Bach para órgão ou nos últimos quartetos de Beethoven.
"A pobreza é verdadeiramente transparente, rasga a opacidade de tanta presunção acumulada progressivamente, liberta as formas da espessura asfixiante e parasita da matéria morta, e sobre a forma nua faz descer o fulgor do mistério que brilha tanto mais quanto sua presença se aproxima de nós mais desembaraçada, mais indefesa" (cf. F. Pérez Gutiérrez, op. cit., p. 181).2.

A PRIMAZIA DO PROFUNDO
Se o artista vive no nível das realidades valiosas, dialoga com elas e possui capacidade suficiente para encarná-las em meios sensíveis, goza por isso mesmo de liberdade para ser sóbrio - que é um alto poder quando está aliado com um elevado grau de expressividade - reduzindo o aparato técnico expressivo a um mero ponto de apoio eficacíssimo do processo criador.

O arquiteto austríaco N. Heltschl diz que "com a pobreza ocorre o mesmo que com o nada, que causa náusea ao existencialista e embriaguez divina ao místico". Deparamo-nos com o grave problema de superar a vertente meramente objetivista do real para ter acesso aos estratos mais profundos do mesmo. Um esboço é humilde, mas, se responde a uma poderosa intuição, a pobreza dos meios expressivos é transcendida pelo poder transfigurador pretendido neles. Quando ocorre este dinamismo ascensional expressivo, a pobreza não degenera nunca em sordidez amorfa.Segue-se que não se deve fazer ostentação expressa nem de riqueza nem de pobreza, mas mostrar espontaneamente aquilo em cuja proximidade espiritual se vive. Conseguindo-se esta presencialidade com o profundo-valioso, os meios expressivos se retiram numa atitude discreta de serviço. Tal discrição é fonte de elegância. Eis aqui a sobriedade peculiar do estilo, tão distinta, por ser profunda, da simples pobreza banal do mero esquema. Pensemos, por exemplo, no sucesso do coral alemão, com sua sóbria robustez de linhas, seu dramático dinamismo e profunda expressividade.
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