quarta-feira, 20 de junho de 2007

Arte e Espaços Litúrgicos

Iniciemos nossos trabalhos com um texto que observa a Arquitetura , a Arte e a Liturgia 40 anos após o Concílio Vaticano II.
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PAZ & BEM!
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Os elementos da celebração e a adequação solicitada pelo Concílio, depois de 40 anos do S.C.

A reforma inacabada
Já se passaram muitos anos desde a publicação dos decretos conciliares, o conjunto dos quais deveria ter aperfeiçoado a proposta que havia sido veiculada pela grande reforma conciliar e oferecer motivações para facilitar a purificação da mentalidade religiosa do povo cristão, sobre a qual, o tempo havia lançado escórias de uma espiritualidade não sempre em sintonia com a espiritualidade litúrgica da Igreja (conf. Regno - Att. 4, 2002, 124).De fato, nos anos pós-conciliares o termo liturgia aparece na boca de todos e em quase todos os artigos de caráter religioso. Todas as mudanças efetuadas nas estruturas das Igrejas, também as mais extravagantes, foram justificadas pela exigência das adaptações litúrgicas. Por vezes, isso acarretou conseqüências terríveis com relação ao patrimônio artístico da igreja.

Uma adequação funcional
O problema de fundo é que não estava bem claro, para todos, o que se entendia por liturgia e reforma litúrgica. Com efeito, depois de tantos anos de fixismos rituais não foi fácil descobrir: de uma parte, existiam os que consideravam as mudanças como um ato de destruição da religião; por outro lado os que achavam que toda mudança e novidade constituía uma reforma e um progresso.Mas, querer mudar uma maneira habitual de proceder bem como a imagem das estruturas e sua colocação, sem ter feito uma prévia apresentação das modificações e sem ter preparado uma nova mentalidade foi uma pura ilusão.Hoje é claro que de fato, no contexto celebrativo dos nossos dias, mudou o aspecto exterior das coisas mas a mentalidade permaneceu a mesma, e teve grande peso a falta de consideração com relação à importância do SINAL sobre o qual se apoia toda a celebração litúrgica.Iniciando pela Encarnação, Cristo expressa a sua vontade salvífica através da materialidade dos sinais e a mensagem implícita nos mesmos. A falta de conhecimento do seu significado autêntico faz com que se torne imprescindível realizá-los na mesma perspectiva na qual Cristo os escolheu e sucessivamente os transformou, esquecendo-nos das finalidades sobrenaturais.Infelizmente no passado a devoção sacralizou os gestos, o mobiliário e objetos litúrgicos, jogando sobre o fiel o dever da veneração mais que a compreensão; desta forma a ação que demandava sinais não traduzia a autenticidade da iconografia que lhe era própria e muito menos a mensagem iconográfica implícita. Portanto, tornava-se difícil entrar profundamente no mistério que se celebrava. É necessário, antes de tudo, descobrir o valor originário, natural e ao mesmo tempo fortemente simbólico dos sinais litúrgicos cristãos, para dar início a autêntica reforma celebrativa.Jesus, instituindo os sacramentos, atuou num preciso quadro iconográfico: escolheu, por razões óbvias, algumas realidades naturais porque trazem em si mesmas um significado análogo ao que Ele queria que se realizasse no plano sobrenatural.Muito eloqüente é o exemplo que nos vem da instituição da Eucaristia. Jesus tomou o pão e o vinho, dois elementos fundamentais para a alimentação humana, fruto não só da terra, mas também "do trabalho do homem" portanto realidades que provêm da natureza e depois são elaboradas pela fadiga humana. Ele os tomou e os deu aos seus apóstolos para que comessem e bebessem. Os ofereceu num contexto bem preciso: o banquete, realidade carregada de sentimentos que caracterizam as relações familiares e de amizade; num banquete que não foi ocasional nem habitual, mas ritual e solene; na ocasião da celebração profética da antiga Pasqua, numa sala preparada para a festa: "Desejei ardentemente comer esta páscoa com vocês" (Lc. 22,15).Jesus se serviu iconograficamente de todas essas realidades por causa do conteúdo iconológico próprio, não negando, mas sublimando a sua mensagem natural. É através do mistério da última ceia que ele passou o sentido da doação do seu corpo e do seu sangue, doação que sacramentalmente transforma a natureza mesma daquele pão e vinho colocados sobre o altar. Por conseqüência a celebração Eucarística, lida na pregnância do sinal, mais que a "presença real" de Cristo visa sublinhar a grandeza do dom que é o seu corpo e sangue redentor: "Tomai e comei, isto é o meu corpo... tomai e bebei, isto é o meu sangue" (conf Mt. 26,26-27).Esta referência pode servir de exemplo para compreender melhor como, para realizar uma verdadeira reforma litúrgica, faz-se necessário esclarecer a identidade dos elementos celebrativos, buscando a verdade ofuscada ou adaptada a diversas situações históricas. Somente isso nos permitirá realizar de forma autêntica os sinais, através dos quais, diz a definição conciliar da liturgia, "realiza em modo próprio a cada um a santificação do homem; nela o corpo místico de Jesus Cristo, cabeça e membros, presta a Deus o culto público integral." (Sacrosanctum C. nº7 EV 1/11). Esta significação, se realizada pela pessoa que acredita e ama, não pode ser feita senão de forma sublime, isto é, artística, no gesto e na ação, seja através das imagens e estruturas.É importante também o convite geral da constituição conciliar sobre a liturgia S.C. no nº21, que pede para rever a iconografia dos pólos celebrativos e restituir-lhes a própria identidade, de forma que eles possam expressar a mensagem litúrgica implícita e conduzir os fiéis a entrar em cheio na celebração. Precisamos ter presente que, sendo a celebração litúrgica um rito, o seu desenvolvimento, assim como os elementos que o envolvem, são carregados de significados, que serão perceptíveis em profundidade somente pelos que foram iniciados.Todos os elementos que compõem o contexto celebrativo estão envolvidos pelo rito, e dele recebem uma carga semântica muito forte; possuem um quadro iconográfico, bem preciso que às vezes precisa vir à tona. É antes de tudo a própria celebração e o contexto no qual ela se dá que "escreve" "marca" a imagem do mistério que se realiza no lugar do culto.

Arquitetura vazia de símbolo
Na liturgia, a arquitetura e a iconografia estão profundamente unidas. Uma contém materialmente a celebração, a outra é a sua expressão.A arte pictórica e escultórea concorrem na explicitação e na comunicação da mensagem própria da ação que se realiza.Infelizmente, como já acenamos no começo, a reação pós-conciliar ao sufocamento que o falso simbolismo produzia, ao decorativismo que tomou conta nos séculos passados das estruturas litúrgicas, levou-nos a um despojamento que abriu mão também do simbolismo autêntico, de modo que não se teve em conta o fato de que em cada estrutura, no contexto litúrgico, existe uma dupla função: aquela prática, em relação com a ação material que a envolve e a simbólica, expressa pela celebração do mistério entendido como lugar da ação.A iconografia é dúplice: aquela inerente e a justaposta. A primeira se expressa na própria celebração e se compõe no contexto de maneira simbólica como expressão do mistério que é celebrado, seja denotando o ato na sua execução material, seja conotando as estruturas que o envolvem. É esta uma iconografia de tipo dinâmico, da qual, após a oração, permanece somente o contexto material e a sua força evocativa.Os elementos constitutivos desse contexto, muitas vezes são enriquecidos pelas contribuições artísticas além das iconográficas, e dão lugar a uma nova iconografia capaz de favorecer uma explicitação iconológica intrínseca e portanto uma maior compreensão dela. Esta iconografia importante, chamada decoração é do tipo estático. Sobrepondo-se à iconografia estrutural ou inerente, algumas vezes não a esclarece e desenvolve mas a sufoca e a torna equivocada, desviando o seu significado com imagens não pertinentes. Exemplo eloqüente é o que aconteceu com a estrutura do altar nos séculos passados.A estrutura arquitetônica sempre teve grande importância no contexto litúrgico. Ela também é iconografia, pois compõe de forma articulada os elementos que envolvem a celebração dos santos mistérios, ricos de sua relativa iconologia. Além disso, uma grande contribuição pode vir da iconografia realizada para o lugar litúrgico. Ela encontra a expressão que lhe é implícita no programa iconográfico, mistagógico, particularmente presente nos lugares de culto dos primeiros séculos cristãos. Ela se propõe, antes de tudo, atrair a atenção dos fiéis para o que está sendo celebrado e inseri-los ativamente neste mistério. Este conjunto iconográfico faz memória das profecias ou das realidades fundantes do mistério litúrgico; torna visível a realidade que ritualmente se celebra e as presenças invisíveis que ele envolve. Conota as realidades intrínsecas à celebração, sublinha-se o simbolismo e a função icônica. Infelizmente com o tempo perdeu-se este tipo de programa. Depois dele ter assumido uma função catequética, depois narrativa, fracionou-se, concentrando-se em sujeitos unitários e atribuindo-lhes não mais a função de meios, mas fins, isto é, transformando-os de simples elementos que acompanhavam a celebração do mistério em objetos de devoção. Isto aconteceu com toda a iconografia das imagens e pinturas dos santos nos últimos séculos. Também as estruturas arquitetônicas e o mobiliário foram alterados na sua imagem e consequentemente acabaram por sublinhar aspectos que não respondem à iconologia do sinal litúrgico celebrado. Para que aconteça de fato uma verdadeira reforma, é necessário rever a iconografia própria do espaço e do mobiliário.

A igreja é para a assembléia
Começando pelo espaço litúrgico que acolhe a celebração, devemos sublinhar que o termo "igreja" deriva da reunião das pessoas que nela acontece. A sua função primordial, essencial, é acolher a assembléia que se propõe realizar o convite de Jesus: "Fazei isto em memória de mim" (Lc 22, 19); (1 Cor 11, 24). Como afirma Jesus: "Onde dois ou três estiverem reunidos no meu nome, lá estou no meio deles" (Mt 18, 20).A presença do Cristo na Igreja é antes de tudo conseqüência da reunião e possui caráter sacerdotal, isto é, de mediação entre as pessoas e Deus Pai. A dedicação deste lugar a Deus é um ato diferente, não necessariamente em conseqüência do seu uso específico. As pessoas podem reservar convenientemente e de forma exclusiva para Deus e o seu culto, um lugar, e também lhes consagrar qualquer espaço. Esta destinação exclusiva a Deus, pode também acontecer em forma de oferta no sentido de ofertar-lhe uma casa; neste caso a igreja é a "domus Dei" ou basílica. Nesta ótica, a presença das espécies Eucarísticas guardadas no tabernáculo (pequena casa) sublinham o caráter devocional, distinto da celebração litúrgica. A instrução sobre o culto eucarístico no nº49 diz a este respeito: "Não será inútil lembrar que a primeira finalidade da conservação das sagradas espécies fora da missa é para a administração do viático; secundariamente para a distribuição da eucaristia fora da missa e para a adoração do Senhor Jesus presente nas espécies". Por isso, a reserva tem que ser colocada fora do altar. Convém que na igreja exista um lugar distinto, propriamente criado e adaptado onde o fiel possa permanecer em oração, encontrar alívio e tranqüilidade espiritual, acolhendo o convite de Jesus: "Vinde a mim, todos vós, que estais cansados, afadigados e oprimidos e eu vos restaurarei" (Mt 11,28).Esta verdade nos é garantida pelo infinito gesto de amor de Jesus que chegou até o dom do seu corpo e sangue, disponibilizando-os para o nosso alimento espiritual.A autêntica tomada de consciência da natureza própria do lugar do culto cristão pode ser favorecida através de uma oportuna iconografia ou decoração, que com a arte figurativa ou abstrata faça reviver os momentos e os sentimentos transmitidos pela Palavra de Deus e pelos sinais salvíficos realizados por Cristo.Na Igreja, a reunião dos fiéis a partir do convite de Jesus, acontece para testemunhar-lhe o nosso amor, para escutar a sua Palavra, para proclamar o seu louvor e participar do banquete por Ele preparado; tudo isto comporta a presença de algumas estruturas, que são: o altar, o ambão a pia batismal e a cadeira. Para que haja participação ativa é necessário compreender a iconologia própria dessas estruturas, que geram um espaço específico.
Texto de Vicenzo Gatti
(il regno – atualità – 2/2003)
Tradução livre de Ir. Laide Sonda
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